Por Geovane Scheeren | 18/10/2023 - 23:35
Muitos dos compostos organolépticos nos vinhos tintos provêm das cascas das uvas, e isso também é verdade para os vinhos rosé, embora em menor medida devido ao curto período de contato com as cascas. Nos últimos anos tem se observado uma redução na intensidade de cor dos vinhos rosé. Portanto, se os vinhos estão ficando mais claros, o tempo de contato com as cascas está diminuindo, e a extração dos compostos aromáticos é menor consequentemente.
A solução encontrada para aumentar a expressividade aromática desses vinhos foi a técnica chamada estabulação, desenvolvida na região da Provence, na França, famosa por seus vinhos rosé de alta qualidade. A estabulação consiste em manter o mosto das uvas em contato com as borras (os resíduos sólidos das uvas) por um período estendido, geralmente de 5 a 15 dias, antes do início da fermentação.
O segredo dessa técnica está na capacidade de manter o mosto a temperaturas baixas para extrair precursores de tióis e ésteres das borras, responsáveis pelos aromas complexos, sem permitir o início da fermentação.
A velocidade de extração dos compostos ocorre de maneira significativamente mais rápida em temperaturas entre 8 e 12 ºC, geralmente levando de 1 a 2 dias para obter resultados desejados. No entanto, é importante destacar que, nesse intervalo de temperatura, o risco de iniciar a fermentação alcoólica é consideravelmente alto. Por outro lado, em temperaturas abaixo de 7 ºC, a técnica oferece maior segurança, mas requer um período de aplicação mais longo, que pode variar de 5 dias a até 3 semanas.
Durante o processo, as borras são cuidadosamente agitadas regularmente, tipicamente a cada 12 horas, com a agitação por meio do gás dióxido de carbono ou gelo seco. O uso de gás inerte é amplamente recomendado, pois evita a entrada de oxigênio, que, em contrapartida, poderia contribuir para a formação de compostos indesejáveis no vinho.
A estabulação tem benefícios significativos, especialmente para vinhos como Sauvignon Blanc e Rosé, como:
Aumento de aromas, incluindo tióis e ésteres.
Significativo aumento na sensação de boca.
Estabilização da cor, especialmente no caso dos vinhos Rosé.
Para otimizar o processo, alguns produtores de vinho utilizam enzimas para liberar precursores de aroma das borras, o que pode reduzir o tempo necessário para a estabulação.
Após o período de estabulação, o processo de clarificação do mosto e subsequente fermentação segue as diretrizes estabelecidas pela vinícola. Para alcançar resultados ótimos, recomenda-se a utilização de leveduras com a característica de produzir maiores quantidade de tióis, o que torna o processo mais eficaz na obtenção de aromas desejados e complexidade sensorial.
Como em qualquer técnica, existem desafios a serem enfrentados. Se o período de estabulação for muito longo, pode ocorrer perda de cor no vinho. Além disso, devido à suspensão repetida de sólidos no vinho, pode ser desafiador obter a clareza necessária para a fermentação, mas existem métodos para superar esses desafios, como o uso de centrífuga ou flotação.
Embora a estabulação seja frequentemente associada à produção de vinhos rosé, é importante ressaltar que sua aplicação não se restringe a essa categoria. Produtores de Chardonnay e outros vinhos brancos aromáticos também empregam essa técnica com o objetivo de aprimorar os sabores e aromas de seus vinhos.
Em resumo, a estabulação de mostos permite aos produtores alcançar o equilíbrio perfeito entre cor, sabor e aroma. É uma prática que continua a revolucionar e elevar a qualidade dos vinhos.
Créditos: Peres, S.; Giraud-Heraud, E.; Masure, A.-S.; Tempere, S. Rose Wine Market: Anything but Colour? Foods 2020, 9, 1850.